Sob perspectiva histórica e contemporânea do ka’api — a ayahuasca, identificar um uso responsável é essencial para melhorias duradouras na qualidade de vida e no avanço do caminho espiritual.

Ayahuasca, também conhecida como “Ka’api”, “Daime”, “Vegetal”, “Yagé”. Uma bebida com tantos nomes, mas uma finalidade comum: estabelecer um diálogo verdadeiro e sincero consigo mesmo para promover insights profundos e autocura nos âmbitos físico, mental, emocional e espiritual, assim como transmitir através da oralidade os princípios e práticas espirituais de cada povo.

Diante dos inúmeros benefícios, surge uma pergunta no caminho de muitas pessoas: com que frequência devo consumir ayahuasca? Não há uma resposta única para essa questão. No entanto, podemos fundamentar nossa perspectiva através de uma análise histórica e contemporânea desta bebida, utilizada por diversos povos amazônicos desde tempos antigos e, atualmente, por outros sincretismos religiosos.

Contexto histórico

Dentro da cultura da nação Yepah Mahsã (Tucanos), o ka’api — nome dado à bebida que hoje conhecemos como ayahuasca — não era consumido por toda comunidade. Seu uso era restrito a contextos cerimoniais, guardado e protegido apenas por curandeiros e seus aprendizes. Participar de uma cerimônia exigia disciplinas alimentares rigorosas para preservar a energia do corpo e da mente, contribuindo para o aprendizado de técnicas de cura e cuidado das enfermidades dos membros da comunidade.

O resguardo alimentar também favorecia o recebimento de “visões”. Em contexto histórico, tal aspecto revelador e visionário era importante para definir decisões coletivas ou até mesmo orientar o processo individual de cada um.

Considerando a periodicidade do uso da ayahuasca, temos um cenário interessante. Segundo Bu’ú Kennedy, as cerimônias antigas não eram tão comuns como nos dias de hoje. Os velhos bebiam cerca de quatro vezes por ano, nas épocas de calor e nas épocas de chuva. Os rituais tinham como objetivo vibrar pela harmonia e equilíbrio da natureza, dialogando com todos os reinos da criação — mineral, vegetal, animal e elementos , acalmando trovões e tempestades, favorecendo o sucesso das roças e colheitas, um clima adequado para a manutenção da vida.

Em uma época onde a conexão entre o ser humano e a natureza era integral e cotidiana, a capacidade de conexão com as plantas de poder eram, também, imensas.


“Nos questionamos sobre os desafios e as oportunidades do momento atual que vivemos no mundo. Chamamos atenção sobre o papel da juventude de fortalecer os conhecimentos sobre as medicinas indígenas com responsabilidade e criatividade. Lamentamos que os jovens não possam ter a mesma relação íntima que tiveram nossos avós, sabemos que temos profundas dores a sanar coletivamente e homenageamos nossas medicinas ancestrais por sua força de cura, ensinamento e de comunicação com os territórios”.

— Trecho da Carta Aberta da 4ª Conferência Indígena da Ayahuasca.


 

Contexto contemporâneo

Atualmente, a ayahuasca ocupa um lugar de destaque em diversos contextos ao redor do mundo, tanto no campo espiritual quanto no terapêutico e cultural.

Além disso, a ayahuasca vem sendo cada vez mais reconhecida no campo da saúde mental e emocional. Estudos científicos têm explorado seus potenciais benefícios terapêuticos no tratamento da depressão, do transtorno de estresse pós-traumático, da ansiedade e de outros distúrbios psicológicos, integrando a ayahuasca em abordagens transpessoais, aproveitando seu potencial para promover insights profundos, processamento emocional e autocura.

No entanto, o crescente interesse pela ayahuasca também levanta questões importantes relacionadas à sua segurança, ao seu uso responsável e à proteção das tradições culturais dos povos indígenas da Amazônia. A industrialização e a comercialização da ayahuasca têm gerado preocupações sobre a exploração e a apropriação cultural, bem como sobre a sustentabilidade do bem-estar dos participantes de cerimônias.

Mais do que nunca, é necessário unificar o melhor dos mundos ancestral e contemporâneo, compreendendo os princípios que há muito tempo geram benefícios duradouros para quem é praticante das medicinas da floresta. Os ensinamentos indígenas emergem como uma inspiração, um crivo essencial, diante das mudanças necessárias para qualificar a vida no planeta e nossa ideia de humanidade.

As práticas milenares de disciplina alimentar antes e depois da cerimônia são preservadas e defendidas nos círculos de cerimoniais de Bu’ú Kennedy (você pode saber mais neste post aqui), que segundo ele “primeiro você muda sua alimentação, depois sua alimentação muda você”. Segundo Bu’ú, os cuidados alimentares são de grande importância para a qualidade de vida do buscador, e que sem ela, é possível que haja um desenvolvimento gradual de perturbações psíquicas como ansiedade, síndromes das mais variadas, esquizofrenia, etc.

Há relatos transformadores a partir desta prática espiritual nativa, utilizada nos dias atuais como ponte entre o ancestral e o contemporâneo no âmbito da ayahuasca, oferecendo aos praticantes uma jornada segura no desenvolvimento espiritual e na melhora gradual de suas qualidades de vida.

Respondendo a pergunta

Afinal, de quanto em quanto tempo devo beber ayahuasca? A resposta é: depende. 

 

A frequência ideal para consumir ayahuasca pode variar significativamente de pessoa para pessoa e depende de diversos fatores, incluindo suas intenções, necessidades individuais, saúde física e mental, bem como o contexto cultural e espiritual em que a ayahuasca é consumida.

É importante notar que a ayahuasca é uma substância psicoativa poderosa e que seu consumo deve ser abordado com responsabilidade. A integração dos insights e experiências obtidas durante as sessões de ayahuasca é crucial, e períodos de descanso e reflexão entre as sessões podem ser benéficos para processar as experiências vividas e integrar as mudanças resultantes em sua vida cotidiana.

Portanto, ao considerar a frequência do consumo de ayahuasca, é recomendável buscar orientação de facilitadores experientes, praticar a autocompaixão e o autocuidado, e estar aberto ao processo de autoconhecimento e transformação que a ayahuasca pode facilitar.


“Afirmamos que a Ayahuasca é o fio condutor da vida, um conhecimento ancestral que resistiu à colonização e permanece vivo na cultura de diversos povos indígenas, seus guardiões desde os tempos imemoriais. Ressaltamos que os ensinamentos indígenas são uma inspiração diante das mudanças necessárias para proteger a vida no planeta e para revisar a própria ideia de humanidade”.

— Trecho da Carta Aberta da 4ª Conferência Indígena da Ayahuasca.


Texto elaborado por Lucas Derobertis.