No ano de 2020, Bu’ú Kennedy participou da produção “Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas” (disponível na plataforma Globo Play), um filme do documentarista brasileiro de natureza Lawrence Wahba, que conta a história do pior incêndio que já houve no Pantanal, queimando cerca de 30% do bioma.

 

 

Em pleno ano de pandemia, quando os incêndios atingiram o seu auge na região do Pantanal, Lawrence estava lá, coincidentemente, no lugar certo e na hora certa. Não teve dúvidas e iniciou os registros de forma independente. No total foram mais de 10 semanas no Pantanal para as gravações do documentário, foram várias viagens entre Setembro de 2020 e Janeiro de 2021.

Durante o filme é possível conhecer o Ousado, ele é uma das duas onças que viraram símbolo do combate aos incêndios. As cenas mostram tudo o que aconteceu com Ousado, ele teve as patas queimadas, foi levado para o Instituto Nex em Goiás, tratado com uma tecnologia de células tronco e reintroduzido no Pantanal. Então, quando só faltava filmar a cena final do documentário, que mostraria Ousado vivendo bem e de volta ao seu habitat natural, Bu’ú e Lawrence finalmente se conheceram.

Lawrence ainda não tinha conseguido patrocínio para o filme e estava quase sem verba disponível para continuar a produção de forma independente, neste momento o universo abriu caminhos, os bons ventos sopraram e a Dona Cris, fundadora do Instituto Nex (associação sem fins lucrativos que cuida e preserva grandes felinos da fauna brasileira), contou para Lawrence de quando Bu’ú, um curandeiro onça da etnia Yepá Mahsã, esteve lá para fazer uma cerimônia de Ayahuasca para as onças cuidadas pelo Instituto que estavam muito agitadas. Bu’ú e Dona Cris, inclusive, plantaram juntos mudas de Chacrona e Mariri (plantas que, juntas, dão origem a Ayahuasca) no terreno do Nex.

Bu’ú e Lawrence se encontraram para gravar a entrevista e o ritual, que aparecem no filme, na região onde fica o Instituto. Durante a cerimônia feita no Instituto, quando beberam Ayahuasca, Lawrence viu a onça que é umas das guardiãs do Bu’ú.  Ao final da cerimônia Bu’ú deu risada, confirmou que Lawrence tinha visto sua guardiã e disse que eles estavam com autorização da esfera espiritual para seguir viagem para o Pantanal, e que lá encontrariam o Ousado para concluir as gravações. Bu’ú disse também que ele poderia ficar tranquilo porque também iria conseguir todo o patrocínio necessário para o documentário.

Lawrence e sua equipe foram para o Pantanal, não estavam encontrando o Ousado e faltavam apenas 3 dias para acabar a viagem. Foi aí que Lawrence ligou para Marly (companheira do Bu’ú) e explicou a situação, ela conversou com Bu’ú e ele fez um rezo no dia 26 de janeiro. No dia 27 o Ousado apareceu.

Quando chegaram em São Paulo, a Fundação Documenta Pantanal organizou uma live onde o Maestro Fabio Cardia tocou viola pantaneira, a representante da Documenta Pantanal falou da importância do projeto e vários empresários estavam presentes. Surpreendentemente, em apenas uma live eles captaram o valor para fazer o filme. Processo que, segundo eles, “quando é muito rápido” demora 6 meses. 

Apesar de ser um orçamento modesto para sua produção, o doc concorreu com 700 filmes de 39 países e ganhou o Prêmio do Festival WildScreen, o festival mais importante de filmes de natureza do mundo, na Inglaterra, em Bristol. 

Mas, segundo Lawrence:

“o maior reconhecimento é quando a gente, que é branco, resolve contar a história dos incêndios no Pantanal através de um mito Kaiowá, abre o filme com uma citação do Ailton Krenak e tem um Xamã Yepá Mahsã (Bu’ú) como uma figura condutora da história. A gente faz essa mistura, e aí o primeiro Festival de Cinema e Cultura Indígena do Brasil (FECCI), com curadores indígenas, escolhem o nosso filme e os próprios indígenas (inclusive kaiowás), assistem o documentário e se dizem emocionados: a gente fica muito contente, a gente vê que por trás desse filme acontecem coisas ainda maiores.”

Lawrence conta também:

“O que é bacana é que o filme transcendeu as telas. Os dois centros de primeiros socorros veterinários que a nossa campanha de arrecadação ajudou a construir ainda estão funcionando, 2 anos depois, estão ativos, com veterinários, zootécnicos, 1 no Mato Grosso do Sul e 1 no Mato Grosso. E as 2 unidades das brigadas que também foram criadas continuam ativas com ribeirinhos empregados, treinados, uniformizados, com carteiras registradas e trabalhando tanto no resgate quanto na prevenção de incêndios.”

Ele também deixou agradecimentos especiais para Marco Del Fiol e Tatiana Lohman, que foram os dois montadores do filme junto com ele e são profissionais muito experientes e premiados. 

Para encerrar, Lawrence diz:

“Essa é a história que eu não queria contar, é o filme que eu gostaria de não ter feito, mas como o próprio filme mostra, eu estava no lugar certo, na hora certa e acabei sendo chamado por essa história a contá-la, assim como o Bu’ú, que após algumas coincidências chegou para somar com a gente no projeto.”

Bu’ú acredita na arte como forma de expressão e comunicação, e acredita que projetos como esse, se feitos de forma idônea e responsável, podem ser grandes ferramentas para que outras etnias conheçam as culturas e a relação dos povos indígenas com a natureza.

Nosso añu! (gratidão)